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um amor atrevido

um amor atrevido

Março 19, 2007

oci ciornie

Vieira do Mar

Um ano. Um ano cheio de fins, em que todos os dias te esqueço. Um ano cansado de ouvidos e de dedos à escuta, na mira de um suspiro teu, de um relance foragido, de um sopro. Um ano repleto de palavras minhas e parco em palavras tuas, de memórias brumosas, como fantasmas de piratas no nevoeiro, sem rumo. Um ano de um querer solitário e a noção risível de quão patético é o amor de um lado só. Inevitável, avassalador, incumprido, no seu silêncio emparedado. Sempre a fingir que não é nada, que não foi nada. Caíram, entretanto, muitos factos sobre mim, coisas, chatices, conteúdos programáticos: encheram-me até cima, até toda eu ficar ocupada em trabalhos, até o meu último fio de cabelo ficar com a agenda preenchida. Não adiantou: um ano, dois anos, dez anos, nunca deixarei de pensar em ti, de te querer e de fazer caber um bom bocado de ti dentro de mim. Mas não to digo, nem pensar: não suportaria que me olhasses com a estranheza e a perplexidade dos indiferentes, como se olha um maluco desdentado que nos pedincha um cigarro na rua.

Março 09, 2007

from here to eternety

Vieira do Mar

Louvámos a praia até ao poente, nesse dia. O sol, passageiro clandestino, encarniçava-nos a gazeta, usurpada ao trabalho. Arranhavas-me por razões várias as pernas molhadas, fazendo com que os dedos dos meus pés se esticassem de prazer como os de uma bailarina em pontas e fossem deixando sulcos de limpa-areias ao fim do dia, na areia molhada, consoante te ias submergindo mais e mais em mim, um mapa batrimétrico entre as tuas pernas, e eu, cá dentro, uma rede de recifes de coral e grutas de uma anatomia simples, a encherem-se das tuas marés, a corroerem-se um século a cada nova enxurrada, eu, na vertical, a envelhecer debaixo de ti, um ser em camadas geológicas, corroídas pela paixão. As nossas sombras, mais estreitas a cada guinada do sol na direcção do nada, repetiam cada beijo enrolado em areia, cuspido no meu umbigo, a barriga, os braços, as virilhas, a tremerem de inveja das tuas explorações subterrâneas, tão meticulosas quanto trapalhonas. Foste tão pouco meu como o sol, na sua última curvatura roxa antes de desaparecer na linha do horizonte, uma linha que parecia desenhada por um miúdo a régua e esquadro lá longe, só para que soubéssemos que há coisas inultrapassáveis, como a pressão do oceano, as paredes de corais e os dias seguintes.