Janeiro 28, 2008
ana karenina
Vieira do Mar
Quando nada me dizes, acho que morro. Fico como que jogada aos bichos, órfã de sentido e de razão, arrimada para os cantos da vida, o corpo doente em fase terminal. Quando nada me dizes, não como, não durmo, e forma-se-me cá dentro um rolo de gritos calados, nos pulmões, na garganta e contra as paredes do estômago, quimo e quilo, quimo e quilo, num centrifugar desesperado. Quando nada me dizes, procuro abrigo e fico quieta, muito quieta, no silêncio infernal do olho de um furacão, na angústia iminente do cataclismo nuclear, parada e espelhada, como o rosto do oceano que anuncia a tempestade. Vou sem rumo e sem norte, por ruas que não sei o nome, sem reparar nos carros, nos outros, nas montras, não sei se nos saldos se já colecções de verão, não sei se tudo mais caro, se a crise, se a inflação. Quando nada me dizes, compro o jornal mas não quero saber de nada no mundo, só leio o horóscopo para descobrir se além dos cuidados com as finanças e com a alimentação, a semana me será especialmente favorável aos desígnios do amor, do meu amor. Quando nada me dizes, entro num modo vegetativo de estar, há um piloto automático que me guia o coração levando-o a lado nenhum, mas que me mexe os braços e as pernas, me articula os sons e as palavras e me forma sorrisos na cara, para que os outros não percebam que por dentro me resta apenas um sopro de vida, uma fímbria de alento e uma bola calada de gritos enrolados.