Novembro 14, 2008
rebecca
Vieira do Mar
Desde o dia em que me deixaste que me fazes mal, um mal danado. Quando de noite me chegas à pele, a reboque do silêncio que rasteja pela calçada e trepa pelos muros, sabes-me a azedo, a coisa estragada, (quis escrever travo amargo, mas tu não te ficas pela minha boca como um refluxo qualquer; antes, espalhas-te pelo meu corpo, subitamente acometido de uma paralisia de bondade e de luz). Mesmo assim, deixo sempre que te enterres em mim como um prego enferrujado e que me magoes aqui de lado quando ando e respiro ou tento saltar. Desde o dia em que me olhaste através e não me viste, que trazes contigo aquele sobressalto desagradável de quando se tropeça no passeio e se dá um passo em falso, um mergulho no vazio, o coração colado às costas. Tenho-te ainda à boca do estômago, mal digerido, uma pontada, uma dor de burro, uma dormência nos dedos, razão pela qual fecho os olhos e respiro fundo a tentar expulsar-te para longe. És-me incómodo, desaprazível, molesto. És o vizinho barulhento, o cobrador que bate à porta; és a criança que chora, o cão que ladra, a torneira que pinga, a janela que não veda num dia frio de Inverno. Tenho alturas em que rondas o desastre e o infortúnio mas depois passa, com a lenga-lenga reconfortante dos refrãos matinais dentro de portas. No entanto, nada evita que sinta o espírito corcunda e encurvado, esmagado pelo peso de tanto sempre tu, independentemente das estações do ano, do índice da bolsa, da fome no mundo ou de estares a milhas. Nem que eu seja absolutamente consciente da tua pessoa, ao ponto de nos acotovelarmos no espaço onde estou e de quase jurar que me empurras (como sempre fizeste, afinal). Fazes-me mal, um mal danado, desde o dia em que nos desentranhámos e dividimos em dois: dois seres estranhos sem nada mais em comum do que o facto de nenhum de nós poder viver sem o teu corpo.