Fevereiro 12, 2013
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Vieira do Mar
Há momentos assim, de guarda baixa, nos quais a imprudência explode em duas línguas que se enrolam em público, quando todos à volta se desvanecem em pó, como múmias remexidas sem cuidado. Há momentos assim, em que se fazem promessas falsas mas que de tão pungentes são por um segundo verdadeiras, em que morrem os sorrisos de circunstância e as palavras banais ficam presas na garganta, porque as cobras enrodilhadas nas bocas não as deixam sair, ameaçadoras como víboras. Há beijos de cinema mas de verdade, iguais ao daquele grande plano no final, que nos ilude com a expectativa de felicidade eterna, antes de nos levantarmos da cadeira e seguirmos as luzes no chão que nos indicam a saída para a vida, ignorando os créditos finais. Um beijo perfeito, às vezes seguido de outro, mas, antes, inspirar e olhos nos olhos, tentar parar, racionalizar o prazer, subestimar o momento, tentá-lo risível, fortuito, embaraçoso. E num ápice, porque nada resulta, as mãos atrevem-se mais que o beijo, o corpo acorda num esplendor acelerado e a alma adormece, inerte e sem sonhos, isenta de culpa. Não há antes nem depois numa fusão de tal calibre. A técnica exige-se perfeita, um beijo assim é uma forma subtil de sexo, de tão obsceno na sua ostentação pública, e não é para todos. São precisos dois dotados para a perfeição do amor instantâneo, para criar aquele instante que suga a realidade no seu vortex para no dia seguinte ser só mais uma letra na caligrafia dos dias. Sussurram-se palavras cortadas, quando se vem à tona inspirar e as bocas se separam, para sustentar a magia, presa por um fio de saliva, porque vai não vai e somos de novo abóboras com alma, gordas e inchadas com a súbita consciência dos outros, os níveis de oxigénio repostos, noções espacio-temporais, relógios no pulso e chaves no bolso, a caminho de casa, no embalo morno da domesticidade confortável.