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um amor atrevido

um amor atrevido

Novembro 05, 2013

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Vieira do Mar

Foste-me leve e fácil, sempre e só preliminares. Nunca passaste do meio termo, da fugacidade matinal, da visita tardia de médico. Vinhas anunciado, com urgência de entrar e pressa de sair, tic tac tic tac. O fato ainda vincado ou já amarrotado, o alívio momentâneo do dia de trabalho, poucas palavras, umas queixas, beijos, o resto, e já estava. É tão bom não foi. Bonito, sempre, mesmo com a barriga a fugir ao cinto de marca, a camisa branca de funcionário a horas, os óculos a postos, a preocupação adulta na cara de miúdo, a bochecha a pedir beijos de consolo. E eu, despreocupada e alheia, cerveja fresca, descontrai, o alívio da tarde antes do porvir da noite, nunca te pedi que ficasses, nem mais um bocadinho, uns segundos apenas. Era assim, e chegava-nos. A palavra amor repetida no orgasmo, o léxico enganado pelo gozo rápido, nada de mais. Depois, semanas sem uma palavra, eu a meter-me contigo, tu a perceberes tudo mal, ela quer mais de mim, mas não era nada disso. Era eu a dizer-te que sabia, sabia da tua aridez e indiferença, do teu amor de segundos, e a mostrar-te que não servias para lágrimas, apenas para a redonda ironia de quem realmente não se importa. Era eu a imprimir-te a distância, a sufragá-la, menos é mais, a rir-me da tua ilusão de achares que eras preciso. Tudo em ti é inofensivo, és o contrário do abismo, do perigo, da adrenalina da traição; és a hora certa e eu, mais uns minutos que roubas generosamente à tua vida, tic tac tic tac,  como uma reunião ou um jogo de futebol. Nunca foste histeria nem o reboliço da espera, borboletas na barriga ou antecipação húmida do toque. Nem eu. Fomos pausas e intervalos, suspensão e brevidade. A ausência de tudo o que mata e faz mal fez com que durássemos tanto. Isso, e as inúmeras vezes que te disse não. Foste-me leve e fácil, sempre e só preliminares, como a cerveja que bebias antes de me enfiares a língua, tic tac tic tac, e o relógio começar a contar.

 

(one hour with you)