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um amor atrevido

um amor atrevido

Dezembro 14, 2014

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Vieira do Mar

Está-se bem, sem ti. Morno, com a sopa dos velhos. Tanto se me dás como se me deste. Sei-te por perto, não me assome a vontade de cortar o tédio em dois. Trazes sorrisos atordoados e frases feitas, e revelas-te na directa proporção de um capricho súbito ou um pensamento ao calhas. Há então em mim um tremor ligeiro, um rumor volátil, quase só um boato nas bocas do mundo, inconsequente e tardio como um bilhete suicida: um breve espasmo em quem o lê, agora é tarde já não adianta. Sofres do mal de seres pouco, és pescador de corrico, de chumbo leve e de mar sem enchios; rasas-me a superfície a ver se mordo, mas desistes rapidamente, porque me sabes bicho de águas profundas. Às vezes, consegues-me. Quando a tua melancolia se sobrepõe à vontade de teres graça e se desprende na minha direcção, num vislumbre oblíquo. Tem dias em que me assentas razoavelmente bem, como um cachecol num dia frio e eu saio de casa de gola alta: um acessório que aconchega sem ser preciso. Está-se bem, sem ti. Mas, pelo sim pelo não, vai ficando. Deixa-me saber do tempo para amanhã e sondar os soluços da Terra, que eu nunca me fio na brandura dos elementos. 

(belle de jour)