Julho 06, 2006
l´amant
Vieira do Mar
Preciso de me desenvencilhar do cinismo da escrita, que enfeita a verdade e a dissimula, impondo-nos sentidos contrários. Tantas palavras polvilhadas sem parcimónia como especiarias em excesso, têm vindo a disfarçar o sabor do que quero de facto dizer-te. Desde que nós, homens, nos largámos as caudas de girino pelos chãos sulfurosos e nos abalançámos a braços e pernas e alma, que tendemos a confundir as urgências da carne com a paixão e esta, com a vontade de envelhecer junto. Andamos ao engano desde o início dos tempos, a tentar fintar a Natureza e a querer convencê-la de que o prazer com que em boa hora resolveu dotar-nos os pontos cardeais, não é mero engodo para que embarquemos mecanicamente na perpetuação da espécie, mas algo de mais profundo e inexorável que nos enobrece a condição. Estou certa de que alguma confusão destas terei feito para me convencer de que te amava enquanto ardia por dentro à sexta-feira à noite. Talvez porque me coubeste, porque me preencheste o milímetro quadrado no canto ao fundo do ventrículo esquerdo que doía como um sopro e isso foi o bastante, porque é de um buraco negro, que me sugava a matéria de que sou feita, de que te falo. Hoje, quando tenho a certeza do que apenas quereria de ti (uma hora, uma tarde, e só porque não suporto não saber como poderia ter sido), quero dizer-te que te amei, sim, mas que acabou. Não te amo mais porque não te posso ter e porque que foram demais, as palavras gastas na camuflagem de guerra. Teriam bastado cerca de três: Amor. Sexo. Fim. Não necessariamente ao mesmo tempo nem, obrigatoriamente, por esta ordem. Ficamos, então, assim e eu prometo não mais confundir o meu desejo animal com a tua solidão. E que me releves o atrevimento, afinal, todos sabemos: o Amor é a brincadeira preferida dos adultos.