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um amor atrevido

um amor atrevido

Julho 25, 2006

tess

Vieira do Mar

A pensão à beira-mar, um pequeno palacete de sonho de pescador, com direito a pináculo e tudo, forrada a madeira de um quase branco carcomido por anos de maresia, erguia-se com uma inocência desabrida, como se nela não andássemos a esconder o cheiro acre da sofreguidão e da culpa. O mar arrulhava-nos por entre os lençóis e as pernas batiam-se num duelo de cãibras e de sono, enquanto as minhas mãos gemiam de vontade pelos teus cabelos ainda mornos. Cotovelos que resfolegavam, amorosamente. O Inverno trazia o iodo pela manhã (algas pretas como línguas), que entrava pelas nossas narinas, abertas pelos cheiros adocicados do sexo e do sabão azul no linho gasto das almofadas. Eu acordava antes de ti, pousava os pés engelhados de prazer no soalho morto e, com um par de olheiras espraiado pela cara que denunciava a urgência a prazo da paixão clandestina, corria porta fora ao encontro da verdade do oceano, que todos os dias me esperava com a honestidade das marés. Antes de sair, engolia um copo de água e arrebanhava uma maçã, sobrada da noite anterior. Comíamo-las às dúzias, os dois virados ao contrário na enorme cama vitoriana, enquanto os dedos dos nossos pés seguiam o trilho delicado dos embutidos de cerejeira no rebordo da cabeceira, empurravam infantilmente as esferas de nogueira em cada um dos topos a ver se caíam, e se amavam como cães na estrada. Detinha-me por fim na areia molhada, a maçã meio comida (o coração aquecido de medo). E era então que o quebrar quezilento das ondas contra a persistência do molhe me admoestava os sentidos (domesticados pela vadiagem da tua boca) e me devolvia a pergunta de sempre, o que é que estás aqui a fazer?