Setembro 06, 2006
o beijo da mulher-aranha
Vieira do Mar
Vens um homem novo. Despoluído, liofilizado, desintoxicado de nós, diferente. Mas nota: eu, que ainda por aqui ando, tudo farei para te baralhar as prioridades, para te roer até aos ossos os ânimos renovados e te reavivar as minhas impressões digitais (que um dia, inadvertidamente, deixaste que tatuasse na tua pele). Um homem novo: limpaste-te a chache, correste-te os melhores anti-vírus, activaste-te a firewall. Vens devidamente formatado e em branco, pronto para hercúleos trabalhos e para as batalhas habituais nos open spaces, por entre as redes redis, o escaldado das bicas cheias e o frio das legionelas: a cidade à tua espera. Sacodes os restos de terra e de areia que se entranharam nos poros, respiras fundo e fazes-te à vida, meio calado e dormente, talvez para que não te ouça, não saiba que chegaste. Eu? Já to disse: por aqui ando, em modo trapézio, pendurada no cimo dos prédios, feita mulher-aranha a abalançar-se no fio de prumo e da navalha, a um passo de aterrar no teu colo sem que me tenhas dado licença e danada para te surpreender nessa retoma dos dias úteis com um solene beijo de língua no teu âmago desinfectado (enquanto finjo um abraço apenas ternurento no teu redor).