Setembro 12, 2006
malena
Vieira do Mar
Chegam-me na volta do correio, as cartas que te escrevo, devolvido ao remetente, destinatário desconhecido. Às vezes, passo em baixo da tua janela e invento que aquela sombra a cobrir o nicho de estuque branco (que vislumbro quando abandonas as gelosias desengonçadas ao meu olhar magro, de tanta fome que te tenho) é a de um suspiro teu por mim que se tivesse perdido pelo corredor, por entre os biscuits, os bricabraques e os souvenirs almofadados. Geralmente, escondo-me na ombreira de pedra tosca da tua entrada, a roer as unhas, o coração naquele desalento descompassado de soldado bêbado. Espero durante horas, enquanto me imagino num deslizar sulfuroso pelas tubagens de gás propano, a entrar-te nas narinas como um veneno e a adormecer-te num sono fundo em que só entrasse eu. Já cheguei a tocar-te à campainha, mas desatei a fugir rua acima como um miúdo a caminho de casa que driblasse o tédio depois das aulas. Enquanto tropeçava nas poças, ia imaginando ao correr das pedras o que aconteceria se tivesse ficado e tu me tivesses aberto a porta, e como eu fingiria um desfalecimento súbito nos teus braços desprevenidos, uma baixa de tensão, um copo de água por favor.