Setembro 19, 2006
21 grams
Vieira do Mar
À casa que foi nossa, não mais voltei. Minto. Passei-lhe em frente um destes dias, apenas para a vislumbrar num rompante de desdém calcinado, a tabuleta de vende-se a trespassar-me o orgulho ferido de morte. Minto. Parei e entrei. Doeu-me a secura curvada da fiada de roseiras bacará que plantei em tempos, quando também o futuro me parecia a direito e alinhado a prumo. Entretanto, a grama envenenou o relvado, agora roto do afã das toupeiras e dos coelhos. Remendei-o com o olhar e hesitei-me no caminho de saibro que conduz à entrada. Minto. Quase corri. Empurrei a porta, estranhamente entreaberta, e ali estavas tu no topo das escadas, a iscares-me para a cama com o sorriso instigador; e a espreitares-me da cozinha, de avental à chef, com duas fatias de piza congelada nas mãos, os segredos da confecção do sushi por desvendar na barriga do gato rafeiro; e no sofá da sala, a embalares-te o cansaço num western manhoso e a repetires em surdina as falas amargas do herói solitário. Voltei as costas aos teus eus que me iam surgindo num bailado de memórias assombradas e saí. A última vez que te vi era domingo e cantavas e cortavas a relva num slalom tresloucado por entre os aspersores, como se dançasses à chuva e bradasses aos céus o estarmos felizes. Deixei-te para trás e nem chorei, sequer. Minto.