Outubro 01, 2006
the constant gardener
Vieira do Mar
Desculpa-me, vá lá, releva. Desculpa os detectives à porta, os agentes da judiciária, as chamadas a meio da noite, os murros na janela do quarto, a choradeira na escada, os prantos convulsivos, os esgares e o arrancar de cabelos, as idas à bruxa com a tua roupa interior, as mezinhas e o chá amargo. Esquece o professor mambo, astrólogo de renome, o absurdo da tua sina na palma da minha mão, os búzios deitados na mesa pé-de-galo, as folhas coladas no fundo da chávena, as cartas viradas, a imagem da morte a olhar para ti. Faz de conta que não, o escândalo no teu local de trabalho, a censura do chefe e o risinho dos colegas, as ameaças vãs, as esperas que te fiz pelas esquinas da cidade, o encontrão, os arranhões, o desvairo insano dos meus ataques felinos. Perdoa-me, vá lá, desculpa, o vasculho nas algibeiras, o escrutínio nervoso dos teus talões de compra, extractos bancários, recibos das portagens, contas de restaurante, dois pratos de carne duas sobremesas; e o farejo animal dos punhos das camisas, dos colarinhos manchados, do nó das gravatas e das dobras do fato. Releva-me, vá lá, perdoa, estes excessos tão espúrios e de consequências tão mínimas. Sim, porque eu sei (desculpa, mas sei) que passas por mim e me olhas através, como se a minha loucura contivesse em si o paradoxo da medusa e fosse, como ela, por demais venenosa, embora transparente.