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um amor atrevido

um amor atrevido

Outubro 29, 2006

bonnie & clide

Vieira do Mar

A essência do Amor está na simultaneidade: não na dos orgasmos ou na da hora das refeições, mas na simultaneidade do riso indecente. Por um destes dias, numa tentativa de diálogo com um ser patético, fui acometida de um riso maldoso e incorrecto, quase cruel. Na verdade, não foi um riso: foi mais a involução dele, uma coisa que morreu para dentro, porque faltavas lá tu. Lembras-te?, quando gozávamos as fraquezas súbitas dos outros sentíamo-nos mais fortes, melhores, a pairarmos sobre os não abençoados com a telepatia eugénica do Amor, que despreza e reduz a pó tudo o que lhe ameace a perfeição. Faltavas lá tu, e eu, a olhar aquele desfiar de um rosário triste, os lábios cerrados à força e o riso a querer soltar-se dos fundilhos da garganta. Mas cedo a performance absurda daquele estranho me caiu em saco roto, o riso engolido como um remédio amargo, uma colherada de rícino a escorrer-me pelas veias num silêncio mortificado. Que falta me faz, a partilha fortuita da maldade, que nos punha nos píncaros de nós e nos fazia ser, por momentos, tão mais do que os outros.