Outubro 27, 2006
the seven year itch
Vieira do Mar
Estou mesmo ao teu lado e bem sabes que só. Salta a tua agenda e três ruas, contorna-te a cintura renitente e as rotundas de palmeiras, atravessa-te a indecisão e o viaduto, esquiva-te à culpa e aos cruzamentos, corta a direito e à tua direita e estás à minha porta, à minha ávida porta, um raminho de salsa. Sabes que estou só, vizinha hibernada neste Inverno precoce, abandonada ao meu queixo, às persianas corridas, ao cheiro a fritos do andar de baixo e ao restolho ternurento dos outros. Queria beber-te em goladas de sílabas graves e tónicas, em vez do gin desacompanhado e morno que passeio entre mãos; queria matar esta saudade mafiosa que tenho de ti, em vez de matar o tempo que sobra com séries televisivas de quando se usava colete, carapinha e botas de tacão, e concursos antigos com prémios em escudos entregues a desoras. Sei que estás perto e que em dois minutos, talvez três, quiçá cinco, temo-nos os olhos a ferver e ambos os sorrisos rendidos, a desfazerem-se-nos nas bocas como massapão. Quem sabe se encontrem, no ar saturado da espera, as pontas dos dedos ou as palmas das mãos. Eu, sozinha e perdida em mim e tu, rondando-me o bairro, ensombrando-me a varanda e os vasos baratos de roseiras despidas, o teu cheiro a pairar no focinho do cão. Vem até cá: conversamos um bocadinho o amor que deixámos por fazer, relembramos os parágrafos que nos deslassaram os abraços ferozes e soletramos os beijos que não demos. Partilhemos a vontade ociosa de sermos melhores do que aquilo em que nos tornámos.