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Despacha-te, que tenho o pequeno almoço por fazer, roupa por lavar e as saudades dos outros por matar. O relógio da Câmara acabou de dar as sete e tu pesas-me no peito como uma asma súbita. Dói-me a nuca de evitar para os lados o teu hálito a semana passada, e os teus pés estão frios como os de um desconhecido na morgue, um zé ninguém, um peso morto que actuasse por reflexo sobre o meu esterno espalmado contra o colchão. Despacha-te, enquanto disfarço o bocejo dos sentidos; ainda tens que tomar banho, porque não quero o meu cheiro azedo a desprezo na tua carne, como se te pertencesse. Poupa-me ao momento em que te vens como se um cataclismo feliz te inundasse, enquanto eu disfarço um esgar de alívio e aperto as pernas e escondo o prazer que acabaria por vir à tona, tivesse eu um pingo de consideração por ti. Dispenso ouvir-te chiar de gozo aos meus ouvidos, como um rato que abocanhasse um pedaço de queijo rançoso. Hoje à noite, depois da novela em que me imagino a protagonista bem fodida em lençóis de cetim, faço-te uma tarte de limão das que tu gostas, à laia de compensação por te achar patético em não descortinares o meu tédio. Ou em não te importares, o que vai dar ao mesmo. Despacha-te que, quando saíres, o meu Amor estará pronto para entrar e perscrutar microscopicamente o meu desejo, vandalizado por ti a cada resquício de uma nova madrugada.
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