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Uma tarde abafada no centro comercial e ali estavas tu, com um bebé ao colo, um pai a exercer os seus dons mágicos de mãe. Assestaste e apontaste o teu sorriso franco-atirador na direcção do meu espanto, enquanto eu, numa desumanidade gritante, o espreitava, esperando-o feio, mirrado, birrento, por favor que não tenha os teus olhos lacunares nem o mesmo riso pingão entre as bochechas. O ar saturado de domingueiros sem gosto nem qualquer noção de espaço contentor atirou-me ainda mais contra o beirado da irrealidade e, enquanto nos debitávamos banalidades, deu-me a vontade de que fosse meu. Meu e teu. Nada de extraordinário: sabes bem que no dia em que o concebeste estavas a amar a pessoa errada. Enquanto, à nossa volta, as crianças cobiçavam nenucos, barbies e floribellas, eu cobiçava a tua vida e imaginava-me infiltrada nela. Tu, num crescendo ansisoso, embaláva-lo desnecessariamente (porque dormia) e furavas o lá ao longe à procura da tua mulher, para que o espírito da quadra se recompusesse sem mácula e eu não passasse de uma nota dissonante na canção natalícia de fundo, como uma viagem de elevador demasiado longa. No meio de tanta frivolidade, para exortar a emoção de ver o teu futuro nas tuas mãos e eu bem atrás das tuas costas, uma coisa me chamou a atenção e me fez disparar-te um sorriso de volta, dos verdadeiros, como se fosses carne para canhão do meu ego ressabiado: tu, o rei dos conhecimentos fáceis e do à vontade com todos, não me apresentaste à tua mulher, e o embaraço pesava-te tanto como o filho que lhe passaste para os braços quando ela chegou.
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