Janeiro 06, 2007
sommersby
Vieira do Mar
Voltaste e és o mesmo, mas também outro. Reconheço-te o valsar do sorriso rasteiro, quase as mesmas brancas, os mesmos vales obscuros onde mergulham umas olheiras azuis, e talvez uma ou outra ruga a mais. Mas és outro.Como se num filme de extra-terrestres, forças alienígenas atravessassem o teu olhar meio vazio, que pressinto dominado por outros mundos. Ou se calhar sou só eu, mais distorcida, magoada, engelhada, chocalhada, que quero cantar-te o regresso mas não consigo. Que quero anunciar-me na tua pele com pompa e circunstância mas falha-se-me o entusiasmo. Amamo-nos com os mesmos gestos gentis que nos arrebatam, é certo, e tu continuas a pôr-me o cabelo para trás da orelha quando me sento em ti, de frente, as pernas abertas, o meu rosto inseguro abandonado ao teu hálito. Mas quem és, afinal? Um estranho de três olhos, braços no lugar de pernas, cabeça nos pés, como um quadro abstracto. Uma vogal arrependida dos sons abertos que me rasgavam a carne e a apatia, em tempos. Na pior das hipóteses mudámos os dois, e hoje somos apenas estranhos que se espreguiçam no conforto de fingirem que ainda se querem. Não devemos insistir nos rituais que nos eram familiares, sabes?, nem nos gestos habituais que não reconhecemos sinceros e que acabarão por se virar contra nós. Não me importo que venhas diferente, em calhando, hoje até me amas mais e sempre me podes mostrar o que entretanto aprendeste; mas não suporto que repitas a coreografia do amor de antes, convencido de que o mimetismo do que fomos nos poderá salvar de não sermos felizes.