Janeiro 31, 2007
the remains of the day
Vieira do Mar
Olá, onde estás? Eu: Vou ao cinema. Não me perguntas com quem estou, com quem vou. Espero que o faças e o silêncio paira sobre nós como um albatroz contra o vento, ocupa espaço, incomoda. Da minha parte, porque imagino que não o queiras saber; da tua, porque achas que não tens o direito de mo perguntar. Imagino que estejas acompanhada, mas claro que isso não é nada comigo… Eu, surprendida pela suposição, a marear pelas ondas da desconversa, à procura, no horizonte das palavras difíceis, pela pergunta que gostaria de ter ouvido. Que pena, que não te aches no direito de perguntar, digo, significa que o inverso também é verdadeiro: que não me achas no direito de TO perguntar. (com quem estás, de onde vens, para onde vais). Mas podes perguntar com quem estou que eu respondo, não te tenho segredos. Ele, Não, deixa lá, diverte-te. Hesito. Fica sabendo que estou comigo mesma: sozinha (estúpida, não podias tê-lo deixado na dúvida?). Pois olha que não parece, soas a comprometida. (não é bem isso, é mais à toa, por ver que tudo continua na mesma, que nada acrescentámos ao tempo.Que continuamos a levar em braços uma relação tísica que agoniza numa cama de sanatório e que se sente cada vez mais fraca, com tantos actos falhados e repetições de falas; com a monotonia do repertório e as reposições mal encenadas de um vaudeville a cheirar a ranço; com os retalhos rasgados de comédias de enganos e os segredinhos de alcova embrulhados nas costuras dos nossos hiperactivos cérebros. Com tantos silêncios ampliados pelo megafone do orgulho (ou será do omnipresente medo da perda?). Quando bastava dizermo-nos, com ambas as vozes no exacto registo, nem muito alto nem muito baixo, que nos amamos perdidamente e que, sim, que queremos saber a que horas o outro vai ao pão.