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um amor atrevido

um amor atrevido

Setembro 17, 2008

the notebook

Vieira do Mar

De nada me valeram, os que vieram depois do que entre nós não houve. Por tua causa perdi o olfacto e o paladar e todos os homens me sabem ao mesmo. Procurei-os nos antípodas de ti e cuidei de escolher formatos e feitios que não os teus, numa fuga em frente, como se. Nuns casos, diverti-me; noutros, arrependi-me, mas sempre a porcaria do coração aos solavancos, a malbaratar-me em entusiasmos pré-fabricados, que cansaço. Quiseram-me muito e tratam-me bem, mas vai dar ao mesmo porque não tenho escolha: passados dias, e a minha carne rejeita-os como se o transplante falhado de um órgão estranho. Por tua causa tornei-me puta, se não me queres é porque não presto. Abro-lhes as pernas e o sorriso, finjo que gosto de sushi, que prefiro as rendas ao cardado do algodão e que os saltos altos não me magoam quando ando. Mas ponho-os a todos com dono antes de o sol nascer: deixo-me escorregar, encostada à porta da rua que acabei de lhes fechar na cara, a odiar o rasto que deixaram no meu corredor. Não há nada de transcendente no prazer que me dão: come-se quando se tem fome. Quanto ao resto, amo-te sem o menor indício de desespero; apenas deixo que a tristeza me faça cócegas numa ou outra lua nova, e é se me distraio. Não tenho qualquer esperança de que tu um dia qualquer coisa, pois foges de mim como o diabo da cruz e é assim que deve ser. Quem sabe só me interessas enquanto obstáculo intransponível contra o qual gostaria de chocar, esparvoada, algures ainda neste tempo de vida. És um empata, o meu empecilho de estimação, um chove não molha que me embaraça e me troca as voltas, mas eu já não saberia viver de outra maneira. Tenho cá dentro a persistência devota de uma mulher de província, enganada pela lábia de um caixeiro-viajante, que gasta as horas num desvelo obsessivo para com o filho ranhoso que é a cara do pai.