Fevereiro 04, 2009
un homme amoreux
Vieira do Mar
Repara, eu não sou neófita, nisto do amor. Posso vaga-lume pela noite fora à espera de um sinal teu, que no dia seguinte aplano, escolho o meu melhor vestido, calço os sapatos mais altos e bato com a porta à saída. Não é que me estejas a dar alguma espécie de novidade: são imensas e variadas as hipóteses de me dar mal, de sofrer que nem um cão, de acabar mendiga na sopa dos pobres, a roer uma côdea rala e a sorrir os dentes podres enquanto repito o teu nome aos transeuntes que nem olham. Pode ser. Sou tu cá tu lá com o desejo que me consome, entre nós não existem segredos, ele sabe que já o topei e se não me atiro agora mesmo para debaixo de um comboio, de preferência de mercadorias porque são os mais pesados, é porque tenho hora no cabeleireiro e ainda se aproveita qualquer coisa no refugo dos saldos de inverno. Não há nada no teu silêncio, súbito como uma cãibra, que remotamente me surpreenda: os silêncios vêm em bandos e é época das migrações. Posso até mortificar-me em frente à televisão, a roer uma série macabra onde o herói patologista disseca com poesia uma artéria femural, mas os silêncios (em especial os súbitos) como-os eu ao pequeno-almoço. Tudo o que possas não fazer agora, já eu o não fiz antes; conheço bem os meandros de se estar quieto à espera que passe e a necessidade de marcarmos uma posição quando não podemos marcar um território (ou a carne com um ferro). Nada leio de especial naquilo que não me dizes, nem descortino entrelinhas no acto de te manteres à margem; o espaço que existe entre nós não é mais do que matéria e por muito que o alargues, tu nos antípodas e eu insone à espreita, será sempre a mesma matéria, vou lá contradizer a ciência. Repara, eu tenho vindo a acumular pontos, guardo cupões de desconto e aproveito as promoções. E sei que não é por assobiares as palavras para o lado e por me negares as noites, que despes a minha pele e a deixas pelo caminho.