Outubro 25, 2009
fatal attraction
Vieira do Mar
Faço-te uma espera, juro, um dia destes. Apanho-te desprevenido, ao saíres de casa, ao chegares ao trabalho, no momento em que soltas a mão das crianças para que entrem na escola ou no exacto instântaneo em que largas um beijo frio no perfil seráfico da tua mulher. Sim eu estarei lá, de tocaia, escondida atrás de uma peça gasta de mobiliário urbano, camuflada e a confundir-me com a paisagem adjacente. Pânico. Estarei em pânico, doente, a finar-me, a passar-me, mortalmente envergonhada, desenquadrada do ambiente, sem saber se vá se fique, se te confronte e te aprisione de imediato o olhar ou se te apareça por trás, desavisada e sorridente. Juro, um dia destes, faço-te uma espera. De manhã ou de tarde, vestir-me-ei a rigor, para a noite e o pecado como uma puta esmerada, o melhor vestido e o melhor perfume, botas altas, o costume, armada em boa, toda eu rimel e confiança, fé não que não é preciso, a bater os saltos na calçada e a furar com determinação a brisa cerúlea que me emplastra o passo. Bloqueio-te a passagem, frustro-te a fuga e bombardeio-te com a evidência de estar para sempre no teu caminho, empecilhando-te o tédio e alterando inesperadamente a química do teu organismo. A princípio, fingirás que não me conheces, sim, que não me conheces, e eu rir-me-ei na tua cara porque ainda assim vais tentar fintar o destino (o que fazes sempre, excepto quando te perdes dentro de ti e me devoras inteira, cedendo à fome e ao instinto). Um dia destes, juro. Não imagino o que te direi, não cheguei a essa parte, pouco interessa aliás; não tens de me sustentar o olhar, de me cumprimentar ou retorquir, podes até fechar os olhos e fingir que não estou ali, remetendo-me para a lembrança que tens das fotografias. Fecha os olhos, isso, fecha os olhos (vou deixar-te fechar os olhos, como fazem as crianças quando o pensamento lhes foge). Não careço de que me vejas, o meu fito é unilateral, o meu interesse é científico: só preciso de descobrir a que temperatura ferves.