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um amor atrevido

um amor atrevido

Abril 27, 2007

los abrazos rotos

Vieira do Mar

Ufa, que já cá não estás. Chorei-te pelo dia fora. Saíste-me suavemente, pela ponta da língua, dos dedos, dos cabelos. Esfumaste-te. Afinal, foi fácil, não tive de fazer nada. Escoei-te, apenas. Vieste agarrado a umas poucas de lágrimas, apanhaste boleia nelas, como se descesses uma onda, e escorreste pela minha cara até ao chão. Eu, a fungar e a limpar o ranho, e tu, a saíres-me aos poucos: primeiro um braço, depois o outro, a seguir as pernas, os pés, o sorriso, tu inteiro. Não sei que fenómeno físico se deu, que reacção química ocorreu, para que me desintoxicasse assim de ti, finalmente frívola, finalmente fútil. Escorreu-se-me a vontade de te rever, esqueci aquilo que ainda achava ter para te dizer; esgotaram-se-me as saudades que éramos suposto, um dia destes, matar, com horas de conversa fiada e vista para o rio. Hoje, pergunto-me como foi possível, ter durado tanto tempo, aquele estranho amor invertebrado, teimoso e atrevido; ter marinado, curtido, defumado, assim, dentro de mim. Agora sou livre, constato-o, sem esforço: não mais as pernas apertadas de desejo nas curvas traiçoeiras da noite. Afinal, foi fácil, não tive de fazer nada, apenas deixar o tempo e a distância, obreiros do desamor, trabalharem entre nós, cavando a dissolução dos contornos do outro. Ufa, que já cá não estás. Chorei-te. Não mais.