Julho 26, 2007
crazy, stupid, love
Vieira do Mar
Tenho, dentro de mim, muita gente que se atropela. Uns, irritam-se quando mastigas, estranham-te o ressonar, deitam fora a aliança; outros, mordiscam-te os dedos, bebem-te os fluidos e acompanham-te o ritmo das flatulências. Há-os cerimoniosos, dados às vénias, aos salamaleques e às hipocrisias da corte; e há os que te invadem sem aviso prévio, te roubam a escova de dentes, dormem com a tua almofada e ocupam-te o lado do sofá. De quando em vez, irrompe em mim a brigada do ódio, com as suas fauces lisas, sedentas de guerra, que acarretam silêncios e, a espaços, um ou dois canibais, que te provam os braços e te cozinham a língua. Quase em permanência, um desfile de tristes, eufóricos, felizes e de suicidas, com as suas expressões de redil vazio. Há, ainda, o psicopata assassino, que te amarra os pulsos, te corta às postas e te assa no espeto; e amantíssimas noivas de branco despidas e teor virginal, que alternam com varas de putas gastas, que te exigem uns trocos, te fazem um broche e cospem para o lado. Mais do que o amor, a raiva, o nojo, o tédio, a sobranceria e o riso, sinto por ti pena, uma enorme pena: por nos rodeares e jamais acertares; por atirares às cegas, fazeres contas de cabeça, tacteares no escuro. Por não nos saberes nem nos adivinhares.