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um amor atrevido

um amor atrevido

Setembro 13, 2007

finding neverland

Vieira do Mar

Amei-te, mas nunca te amei, e este desconhecimento bíblico enredou-me numa linha invisível que me emaranha o futuro, penhorado nesta vontade incumprida que, volta e meia, me atiça os sentidos. Precisava que a realidade do teu corpo nu, em toda a sua incompetente fragilidade, me tivesse esmorecido estes desasados quebrantos românticos e a ideia peregrina de que dois podem ser um só, enquanto pássaros de cetins no bico atravessam corações rosa suspensos no ar. Precisava de ter constatado que o que te excita, me enoja e entedia. Que te tivesses atrapalhado no acto, mostrado incapaz de malabarismos e desajeitado nas cambalhotas; que tivesses confundido as coordenadas, traçado mal o azimute e acertado ao lado. Precisava de ter reparado, desagradada, nos pêlos do teu nariz, na barriga saída, nos cotovelos gretados, no dente cariado. Era fundamental, que te tivesses satisfeito sozinho e à missionário e eu, a imaginar como sair rapidamente de debaixo de ti. E que a culpa se tivesse sobreposto a qualquer lamiré de gozo, de modo a que eu tivesse tido vontade de recuperar o juízo e as cuecas do meio da nossa roupa, seguramente lançada para o chão com a urgência dos deuses. Precisava de não ter gostado de ti e de ter constatado, sem sombra para dúvidas, que não prestas por aí além, para poder largar de vez a ideia de que um dia terei de o confirmar, empiricamente e por escrito. Quando as coisas não acontecem, o vazio torna-se o espaço mais ocupado da sala onde estamos, trazendo consigo os prenúncios de uma implosão anunciada.