Dezembro 26, 2009
love actually
Vieira do Mar
As passas engelhadas no côncavo da minha mão, e todos os desejos se concentram na tua ausência, tridimensional e luminosa como um cristo dos chineses. Percebo o chocalho alegre dos que mais amo, alheia, enquanto tu me acotovelas o coração, ultrapassando-os à má fila e sem vergonha, um esfomeado na fila para o pão. Amontôo os frutos secos num recanto vago da boca, do qual afasto a língua, levemente enjoada. O primeiro desejo é o de que baixes a guarda, para que eu te faça meu prisioneiro de guerra, após o que te obrigarei a derrubares todas as pontes entre nós, como naquele filme do assobio. O outro, o terceiro ou quarto, nem sei (como se não fossem todos o mesmo) é o de que não me esqueças, não me esqueças, e também, sim, pois claro, que eu tenha muita saúde e boa forma, para te amar num corrupio atlético noite dentro, quando o momento chegar. E dinheiro, também, para comprar rejuvenescimentos, penteados, sapatos que me ponham alta e roupa reduzida que te fará derrapar quando travares a fundo nos meus decotes (porque há sempre uma esquina onde nos poderemos cruzar, quem sabe, sexto, sétimo desejo). Com uma bochecha de esquilo guloso, esgotados os abraços, o recanto da boca, o delírio e o espumante no copo, fecho os olhos e peço noção, meu deus!, um bocadinho de noção do decoro, de bom-senso, do real. Porque esta estranheza que sinto por ti me tornou fútil, levitante, vácua e inconsequente. Previsível. E sem um outro objectivo que não o de chamar a tua atenção onde calha: aqui, ali; esperando-te à saída do trabalho, domando a boca para que não se me abra sobre as tuas rugas cansadas; ou rasando de manhã a casa onde vives, como uma gaivota fugida ao mau tempo; ou então fotossintética, alimentando-me do fio de luz que escorre pela frincha da janela do teu quarto, por onde te vigio com o desvelo das noivas nuas na cama.