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um amor atrevido

um amor atrevido

Dezembro 25, 2009

cold mountain

Vieira do Mar

É Natal, e tu não estás. Dos cânticos que ecoam pelas ruas engalanadas, desprende-se uma melancolia que me embala e aconchega os passos. Aperto melhor o cachecol e agasalho-te contra mim. Rasando as montras, imagino os presentes que te compraria se aqui estivesses: esta caneta, para que assinasses o sim, quero, ou aquele relógio, para que nunca te atrasasses quando viesses ao meu encontro. Entro numa papelaria e pego num cartão de boas festas, daqueles pirosos e estridentes, com azevinhos garridos e os votos escritos em relevo, numa letra encaracolada de copista, fina e pretensiosa. Imagino-me a desejar-te mundos e fundos e tu, a afugentares o fantasma dos natais futuros com um sorriso de agraciado, quando o lesses. Prevejo como, de seguida, me agarrarias a nuca e a cintura por detrás, debruçando-me sobre o tampo por estrear da mesa marmoreada, levantando-me o avental e baixando tudo o resto. E de como o açúcar ao lume se agarraria para sempre às paredes do tacho, inutilizando-o, as minhas mãos espalmando-se de gozo contra o azulejo recém-colocado, o ainda cheiro a betume nas nossas narinas coladas. Uma falha na calçada faz-me frente súbita e um velho de trinta anos, sem dentes nem alma à vista, espreita-me de relance o voo, absorto na contagem de algumas moedas pretas. Componho os ossos em sobressalto e largo-lhe na mão suja o troco do cartão piroso, que inclui um envelope de fímbria dourada, olha que sorte. Do outro lado da cidade, na cozinha renovada, repousam silenciosos os utensílios do Amor. É Natal, e tu não estás.