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um amor atrevido

um amor atrevido

Novembro 13, 2012

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Vieira do Mar

Os amigos e amantes não são feitos de palavras, são gente de carne e osso que se encontra a meio de pontes curtas e sólidas, daquelas que os romanos faziam no tempo do viriato e que ligavam terras cercanas que, de outro modo, nem se saberiam vizinhas. As palavras são enchentes que galgam as margens e separam povoações sós e sedentas de outras. Tu e eu fomos só escrita, margens alagadas, ribeiros intransponíveis. As palavras criam breves calores, mas gelam-nos quando lhes acrescentamos um ponto final, adeus até amanhã fica bem. Tu foste uma distracção, um sopro de fé, um breve fogo cá em baixo quando o indizível ficava por escrever mas se intuía. Não imagino o que fui para ti. Sei que nunca estiveste disponível para amar e que amigos há muitos, como os chapéus. Trazes contigo uma bagagem tão pesada que nem mil escravos a carregariam áfrica acima de costas curvadas. Soçobrariam logo, ali no sopé de um kilimanjaro qualquer. Isto sou eu a adivinhar. Quanto à minha, não caberia no porão de um avião comercial, tanto extra a pagar no momento do check in que mais valeria ficar em terra. O amor  quer-se fresco: é um salto no escuro, um nada do qual se faz luz, uma onda que irrompe de um mar flat, flatline que repica no monitor quieto do hospital onde um lençol branco já cobre o corpo; é renascença, boticelli ao vivo, o reverso da teoria. Encontro é borboletas na barriga, mãos suadas, sorrisos envergonhados, mistérios a descobrir, indiana jones num ninho cobras, harry potter e o mapa dos segredos. Viver é alento, surpresa, desapontamento, admiração, amor à primeira vista, desapontamento à última, não te quero ver mais, como pude alguma vez?. É a constação dos factos.  São meias brancas em sapatos campor, é um telefono-te um dia destes e ala que se faz tarde; é saltos agulha e jóias em demasia, olhos escondidos na maquiagem, anéis e sorrisos perfeitos, quando se quer ir ver ursos de binóculos para as montanhas, então até depois, gostei do sushi in. Não é um estou aqui para o que for preciso. Aqui, onde? do lado de lá do ecrã as palavras de conforto não apanham lágrimas com as pontas dos dedos. Torço por ti, em vez de um torço-te aqui, de um pequeno-almoço sereno na pastelaria da esquina, um vagar vagarento. Viver é a química imediata, ou a diferida quando já lá vão uns copos a mais, ou não haver química nenhuma e então é  uma enchente que galga de novo a margem. É o degelo da palavra escrita, o silêncio que tudo diz, o que se ganha e o que se perde, ali na hora; não é um olá pela manhã nem um adeus pela noite, mas antes tudo o que existe de permeio: são as ruas, a chuva, as gargalhadas, os abraços que desfazem a aflição, como se a drenassem. É olhar nos olhos e resignarmo-nos à mágoa que deles se despega, embraçando-a, ou fugirmos dela como o diabo da cruz, a sete pés. Viver não é a net, os chats, os mails, as palavras feitas que por segundos nos comovem, os clichés, nem a rudeza crua para magoar, chatear, irritar, quem nunca vimos. Se alguma vez nos tivessemos zangado pregava-te um par de estalos, não te mandava educadamente para o caralho por escrito e à distância. Escrever é sempre tão educado, mesmo quando usamos calão, porque a intenção se perde nos caminhos enviesados que percorre até chegar ao destinatário. Falta-lhe a raiva física, as feições ferventes, os olhos arremelgados de fúria e aquele cheiro a enxofre que se desprende do que odeia e amofinha o que se pôs a jeito. Entre nós não houve vida. Houve dois leitores ávidos numa relação simbiótica, quase parasita, que acabou de tão vazia de pele. E assim continua cada um para seu lado, a arrastar bagagens e a forçar afectos a ver se nos aligeiram o fardo e quiçá nos permitam perder algumas malas pelo caminho. Malas que se abram e espalhem pesadelos pelo vento, como esqueletos saídos  do baú de um assassino em série: e as almas dos nossos mortos finalmente livres num bailario céu afora.

 

 

(in the mood for love)