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um amor atrevido

um amor atrevido

Novembro 29, 2012

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Vieira do Mar

O que me afasta de ti não é o medo de querer que fiques. Sou futilmente sensível à beleza e tu és belo como um deus ocidental, o que te valeu as minhas pernas abertas, alguns suspiros infantis e uma angústia breve que achei saudade mas que não passava da pedinchice de um corpo em falta, de mera leviandade hormonal. Digo-te não porque és apenas refrão, monólogo, um livro de mil páginas que apetece abandonar a meio do primeiro capítulo. Não me leves a mal: és uma boa alma, correcta e meiga. Apetece ter-te para o puro prazer da vista e do toque, como uma escultura ou um quadro, que admiramos e revemos do ângulo que nos apetece. Só que nunca descubro coisas novas a cada vez que te vejo, mesmo mudando de perspectiva. És uma recta sem desvios, do ponto A ao ponto B, tão determinado quanto previsível. A tua conversa é monótona como uma tarefa administrativa e o sexo é bom, às vezes mediano: o que é bem pior do que ser mau, porque neste caso poderíamos transformá-lo noutra coisa qualquer, como fazermo-nos cócegas vingativas, brincar às lutas ou alarvarmo-nos em comida, sublimando assim a mediania. Tento algum cuidado semântico para não te ofender, porque não gostar de ti é impossível. Acho que não estou a conseguir, desculpa. No entanto, é meu dever dizer-te que tudo isto seria despiciendo não fora uma lacuna imperdoável. Se eu quisesse mesmo, mesmo muito, dar-te-ia a conhecer um mundo novo: a minha cabeça superhipersónica. Confundir-te-ia, banzado, com as minhas piruetas mentais, as exasperantes contradições e o excesso emocional; perder-te-ias no meu labirinto interior, de tantas voltas que te deixaria tonto e incongruente, incapaz de rotinas e obrigado a reacções inesperadas, livre da dormência do tédio. Mas não quero. Sabes Porquê? Pelo que mais releva no universo amoroso: não entendes as minhas piadas.

 

(L'eclisse)