Maio 28, 2013
...
Vieira do Mar
Vejo-te de outra maneira, mudaste de cor e de aura. Não sei em que momento os meus olhos sorriram gulosos para o teu rabo e para o teu peito ravina ou quando, simplesmente, convergiram para os teus, indiferentes à diferença que vi em ti. Nem imagino, de onde surgiu a tua pele de repente tocável, como um instrumento de veludo ou um animal macio e irresistível, que apetece cobrir de abraços e estrafegos, dos quais se debate porque estranho ao excesso do afago humano. Nem calculo, quando dei por mim a cheirar dissimulada o teu cabelo solto e escuro de breu, a passar por mim num esvoaço, desatento e desprevenido, como se eu inofensiva. Não faço ideia, sequer, de quando deixei de ver a tua boca, que fala e bebe sem cerimónia, como o sítio de onde quero beber, enquanto tu calada, solenemente sôfrega, ligeiramente espantada. De quando a conversa passou a escuta e o riso passou a canção; as gargalhadas, a sinfonia; os passos, a compassos; e os teus dedos compridos, a solilóquios de inteligência, que escondes, enrolados em si mesmos, quando não estás a fumar. Nem de onde vem esta saudade que o tempo não justifica, mais de corpo que de companhia; e, muito menos, este ciúme simplório das tuas outras mulheres, que nem ganância é de te de ter só para mim, pois tal coisa não a sei. Sou novata, uma caloira na tua escola, com medo da praxe que me espera. Intuo em ti o conhecimento antigo das amazonas, uma linhagem real de mulheres que borbulham de sangue azul, que é a mais quente das cores. Vejo-te resultado de gerações cumpridas e batalhas ganhas. Vejo-te dor e esforço, segredos e paradoxos, aventura e abandono. Ou então, apenas te imagino, e tudo isto não passa de curiosidade pelo que de ti ignoro, ou por cheiros que não conheço e geometrias que não explorei (pretendo poupar-te ao embaraço de saberes que te quero, por isso recorro ao lugar mais comum). A verdade é que não sei, de todo, em que exacto momento cada parte maiúscula de ti se transformou num pormenor esmiuçado por mim.