Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

um amor atrevido

um amor atrevido

Julho 30, 2017

às tuas ordens

Vieira do Mar

Manifestas a tua dor aos outros de forma gentil, como um pássaro ferido que acorde com a luz da madrugada por entre a ramagem, a cumprimentar em silêncio a manhã. Cauteloso e inseguro, mas num cantar baixo e meigo, como um disfarce (porque a vida te é predadora). Essa gentileza transtorna-me, o modo como a preocupação dos outros para contigo se transforma em preocupação tua para com eles. Para comigo. Não te sei consolar, saem-me palavras tortas e rarefeitas. Ainda bem que são poucas, parecendo que não, nestas coisas, a percentagem conta: menos é mais,  quando se age de maneira tonta porque se nos descoordena o sentir, a inteligência emocional nos abandona e ficamos vadios. A minha estranha postura, quase fria, não tem nada de defesa, meu amor, mas de embate. À espera que invistas contra mim, contra o cabrão do mundo, o filho da puta do universo. Anda, que eu aguento. Às tuas ordens. Ou talvez queira ser contigo como sempre fui: não te tratar nas palminhas, não fazer cerimónia nem dizer-te o que é suposto, como o que todos os que te amam te vêm dizendo há dias. Ou se calhar não o sei fazer. Neste momento, és-me território tão desconhecido quanto marte - ou mais, pois mal te consigo sondar. Só sei que quero dizer-te tudo o que te apeteça ouvir, é a minha forma de te dar mimo. Às tuas ordens. De resto, ando aos papéis. Parece que o coração se me mudou para o lado direito e não bate certo. Como o que te aconteceu: não bate certo, está errado, é o inverso do avesso do avesso do avesso. O que eu gostava mesmo era esconder-te da dor em modo uterino: recolher-te cá dentro, onde ela não te chegasse; dar-te guarida na minha pele, e depois embalar-te numa canção triste, porque, sinceramente, qualquer alegria me parece despropositada e inútil como uma clareira súbita num bosque cerrado. Não sei como te fazer bem. Estar não chega, parece-me. Mas é isso que quero: estar contigo para poderes ficar calada. Aceito de bom grado o teu silêncio – ou isso, ou gritos, queixumes, birras, indolências de formas várias, caprichos e desatinos.  Às tuas ordens. E outra coisa: mais do que a tua dor, comove-me essa gentileza meiga de pássaro inseguro: danada, furibunda, quebrada, ausente e incrédula, a espreitar a medo por entre as folhas... mas com o espírito – esse presumível foragido - intacto (que está. tu é que, agora, não o podes ainda saber).

mariana (7).jpg